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terça-feira, 7 de maio de 2013

O Empurrão de João Manuel

Tenho plena convicção de que o homem é o resumo de suas próprias histórias. Logo que nasce começa a morrer. E se perpetua pelo que vai deixando pela vida; pelo que vai guardando para si mesmo e repartindo com seus circunstantes, à medida que ele passa pelo tempo. Minha cabeça é uma enorme sala de recordações que convida, volta e meia, o tempo a passar por mim.

Hoje mesmo, em meio a um almoço frugal, com a patroa e a diarista que limpava a refeição nos pratos com a dedicação e o gosto com que vinha limpando o meu solar brasiliense, ela me falava dos elogios que Julinha, sua filha de 11 anos recebera no colégio.

Uma garfada e meia depois, um flash back me bateu à porta da sala de relembranças. Quando me vi, estava numa aula de língua portuguesa, no Gonzaga, lá pelas alturas do terceiro ou quarto ano ginasial noturno. Idos de 1900... E antigamente.

Visitava-me agora - coisa de 40 anos depois - o meu centro-médio de grandes a/venturas no Paulista F.C. - João Manuel Peil, na pele de meu calmo, sereno e competente professor de português.

E, como se fosse hoje, eu o vejo entregando para a nossa turma, as sabatinas de redação com as notas de cada um. Entregou todas. A minha seria uma das últimas. João Manuel não a entregou.

Quando então eu já matutava se teria mesmo entregue a minha prova para a revisão e correção do professor, sua voz pediu a atenção da classe:

- Meus caros, falta entregar a redação do Sérgio. Não vou fazê-lo agora. Apenas passo a ler para vocês o que ele escreveu a respeito do que vocês todos tão bem dissertaram. É o melhor jeito que encontrei de lhes dizer porque lhe dei nota 10.

E João Manuel leu o trabalho que fiz às pressas, nem lembro bem sobre que tema, para ir logo para o treino de futsal que o Amir Cury ministrava no Estrela, para enfrentar na noite seguinte justamente o Paulista F. C. de Ben Hur, Beto e Careca; Paulinho Pons Pereira e Juruá.

Desci da sala de sempre para a cozinha de hoje. Engoli em seco o naco de filé que rebolava na boca e saboreei o bom bocado de vida que me estava sendo servido pelo fortuito encontro com o passado bem na hora do almoço. 

Só agora, mais de quatro décadas curtidas, me dei conta de que nunca havia agradecido à grandeza daquele professor, grande parceiro de jogos de bola e, acima de tudo, um mestre na arte de mostrar o caminho que eu deveria seguir. E que segui. Vivo de escrever, a vida inteira. 

Grato, João Manuel, pelo empurrão. Nem você sabia a força que tinha. E nem eu sabia o quanto lhe devia. O homem é sim, o resumo de suas próprias histórias.