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domingo, 25 de maio de 2014

O GARANHÃO DE PELOTAS
E porque hoje é domingo, bateu preguiça. Vou, a título de encher espaço e tempo, passar a vocês uma das historietas do livro ainda e sempre em ebulição O Garanhão de Pelotas - um cara que, por incrível pareça, existe. 

NEM SEMPRE O PASSADO É TEIMOSO


Depois de mil anos, eu me encantei pelos olhos de uma gata de cabelos pardos, uma gata parda, Leo/parda, para ser bem franco. Uma tigresa, com certeza. E nessa fase do amor, sempre que a gente se encontrava tinha mil histórias para contar.
Não estranhe, não. Sou Garanhão, mas de quando em vez, me acode um tremelique de romantismo que não dá pra segurar. Dito isso voltemos, pois, ao tema principal. 
Entre nós, o passado relutava em manter sua verdadeira identidade, estava sempre presente.  E, não raro, o melhor das recordações que repartíamos, é que elas nem eram assim tão verdadeiras. Alguns sonhos como alguns filmes, haviam mudado de enredo.
Muitas coisas que repassávamos e até muitos lugares que revisitávamos, tinham mudado de cor, de tamanho, de estilo, de clima; em alguns bares, houve câmbio até de dono.

O próprio Conjunto Nacional já não era mais - apesar da revitalização - o maior shopping da América Latina.

Naquele início de noite, resolvemos ir ao velho e gostoso paraíso dos salsichões bávaros, o tedesco refúgio Fritz - numa das reentrâncias da Asa Sul que poderia ser chamada até de uma esquina de Brasília. Escolhemos a mesa do canto lá do fundo, à beira do balcão que fazia fronteira com a boca da rua de movimento escasso.

Fomos lá ao velho Fritz rebuscar história, revirar passados, recapturar antigos bons momentos de vida que tínhamos desfrutado em outras queridas companhias. O passado não nos despertava nenhum ciúme. A não ser quando se transformava em presente. Quando o ontem vira hoje, ganha vida e mexe com a gente.

Os primeiros passos no Fritz revelaram a mim e à Tigresa que o lugar já não era mais o mesmo: menos charme, menos gente, menos algaravia, mais restaurante do que um bar legítimo da Bavária... Os rostos já não eram mais os de ontem; o pessoal de hoje ali da casa, muito menos.
Acomodamo-nos. Veio o garçom. E foi. O antepasto foi de berinjelas recheadas de tomates desidratados. Um uísque com três pedras de gelo em uma dose chorada acima do nível do lago Paranoá para mim; um xarope light com o sigilo da Coca, para ela.
Antes que o garçom partisse, em busca dos filés de frango com salada à moda germânico-pioneira social, meio em desencanto, provoquei sarcástico, o serviçal forjado pelo Senac:

- Por enquanto queremos refrigerante. Duas Cocas, gelo e limão. Copo limpo, viu?
- Pode ser Pepsi? - indagou sisudo, o garçom.

- Pode... Num copo limpo - provoquei.

Pouco depois, o garçom chegava com o pedido: os frangos à milanesa, a salada e dois copos. Um deles mais reluzente que o outro. Com a mesma gentil e estudada indiferença profissional que mantém os garçons à recomendável distância da clientela, ele quis saber:

- Foi o senhor, ou a senhora... Quem pediu copo limpo?

E sentindo-se vingado, afastou-se com um sorriso de hipocrisia na cara.
 Tivemos ali, naquele momento, a certeza de que nem sempre o passado é teimoso quanto a sua essência e, nesses momentos, não consegue estar presente. O Fritz de hoje não é nem sombra do Fritz de ontem.

MORAL DA HISTÓRIA - O melhor profeta do futuro é o passado... Ou, os que não se recordam do passado, estão condenados a repeti-lo... Ou, o tempo não perdoa nada daquilo que se faz sem ele. Ou, ainda... Ah, em bares e restaurantes beba em qualquer copo.